Adoro andar de ônibus, acredite!
(ressalva: sentado e em boas condições de ventilação, tráfego e companhia - ainda que desconhecida!)
O interessante de andar de ônibus é que, nele, dá para "assentar" a vida... A gente pensa, vê o mundo que se transforma, observa as pessoas, ouve histórias, se informa.
Ao menos, é assim que acontece comigo, no "Candeias - Conde da Boa Vista" - o "ser" por quem mais tenho esperado, nos últimos três anos e meio. Sentiu a relação?
Pois bem, abaixo, compartilho uma das minhas experiências nele - o amigo ônibus, de todas as quase “de hora em hora”.
Sábado, 04 de outubro de 2008
Linha: Piedade – Cde. da Boa Vista
Findou-se o tempo em que pedir dinheiro na rua era feito somente por maltrapilhos?
Mais parece que quem passa necessidade é, apenas, quem porta todos os males possíveis e indignos a um ser humano - aquele que também se veste mal, fala mal e causa desconforto. Se não for assim, há que se estranhar.
Mas, de blusa vermelha com mangas compridas – pouco desgastada –, saia jeans e um chinelo lilás, apareceu no meio do ônibus, tentando ganhar a atenção de todos.
O discurso, bem proferido. Sem tantos clichês, fugia àquelas histórias "batidas", àquela peleja enfadonha e gritante, àquelas falas decoradas... O timbre era convincente; as justificativas, sinceras; e a fé, norteadora do discurso.
Chamou atenção! Trazia um diferencial: a "alma" de seu "negócio". Era uma verdade sentida (e isso é o suficiente!); era um convencimento fácil que, inclusive, fazia bem, pois não me atrai essa tendência de sempre ter que desconfiar das pessoas.
O motivo de ela estar ali, sim, era o único ponto em comum aos tantos outros. Ela, desempregada. O marido, igualmente. Além do casal, em casa, mais três alvos daquela situação. Ao todo, cinco vítimas da pobreza.
De acordo com ela, o marido havia chegado na noite anterior, após fazer “bicos”, com R$10 no bolso. O dinheiro serviu para comprar leite e fubá. A meta daquela mãe, de olhos azuis e implorantes, era o de conseguir mais dinheiro para chegar em casa com algum alimento para o almoço de suas crianças. Era o que dizia seu discurso.
Indagada por uma das passageiras sobre o programa Bolsa Família, respondeu que não recebia, mas já tentara se cadastrar lá na cidade natal: Pesqueira.
Bem articulada, segura dos questionamentos sobre trabalho e benefícios sociais, feitos pelos passageiros, a mulher me convencia cada vez mais de sua situação e de seu objetivo naquele ônibus.
Ela, também, naquela fatia de tempo, me fez pensar como devemos ter conhecidos que - não maltrapilhos - passam por situações semelhantes à dela.
Se ela conseguiu me convencer agindo de má fé, não sei. Prefiro achar que ela nunca teve nem terá capacidade para isso. Sei, com toda certeza, que naquele ônibus, à beira do meio-dia, foi-se com ela um estereótipo. Ainda bem!